segunda-feira, 21 de novembro de 2016

A QUESTÃO SOCIAL BRASILEIRA: DE VARGAS A FHC – 1930 A 1990

Alícia Beatriz Mallmann Piccinin
Mirele Hashimoto Siqueira

RESUMO
Este artigo tem como objetivo apresentar o período da história do Brasil correspondente à década de 1930 a 1990. Além de situar os principais governos do referido período e seus respectivos contextos políticos, econômicos e sociais, buscar-se-á enfocar na análise das principais expressões da questão social e suas transformações ao longo do percurso histórico. Vivenciando dois grandes períodos ditatoriais, passando pela fase de impulso e consolidação do processo de industrialização, promovendo a ascensão de um Estado desenvolvimentista e também incorporando o ideário neoliberal, o Estado Brasileiro assumiu características e posturas diferenciadas no tocante ao enfrentamento das expressões da questão social. Do caráter policialesco no trato destas manifestações ao reconhecimento das sequelas como questão política, procura-se analisar o processo de desmonte sofrido pelos direitos sociais e a invasão dos serviços públicos pela lógica privatista no contexto da atual conjuntura.

INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivos situar o conceito e origem da questão social, elencar e desenvolver as formas de governabilidade dos presidentes brasileiros a partir de 1930 até 1999. Pretende-se caracterizar os aspectos políticos, econômicos e sociais, além das principais expressões da questão social de cada período e conjuntamente com as formas de enfrentamento que cada presidente buscou assegurar dentro de cada um dos contextos que serão detalhados.
Iniciando-se com a Era Vargas, procura-se caracterizar seu governo populista e as principais instituições criadas no período. Passando de uma política nacionalista para um regime ditatorial, Vargas mantém-se no poder por meio de ações repressivas e antidemocráticas. Diferenciando-se deste governo, Juscelino Kubitschek administra o país através de uma política de abertura da economia brasileira ao capital externo, dando ênfase ao desenvolvimento de 50 anos em 5 para o Brasil. Privilegia ainda, a política econômica acima da política social. Outro grande período que caracteriza a história brasileira, após o governo JK, refere-se a Ditadura Militar. Os cinco presidentes deste período, eleitos de maneira indireta, não hesitaram em reprimir os movimentos de oposição contra a ordem com vista a assegurar a doutrina de segurança nacional. Repressão, autoritarismo e violência consistiam, pois, nas principais palavras de ordem do regime militar. Além disso, apesar de se verificar nestes anos a ascensão do chamado “milagre econômico”, o desenvolvimento do país ficou condicionado ao elevado aumento da dívida externa. O período de transição democrática foi inaugurado por Tancredo Neves e José Sarney. No entanto, mesmo após o fim da Ditadura Militar, as eleições diretas só vieram a se concretizar com a eleição de Fernando Collor de Melo em 1989. Este governo caracteriza-se pela introdução do receituário neoliberal no contexto brasileiro. Consiste num período marcado pela instabilidade econômica e confisco das poupanças. Após inúmeras denúncias de corrupções, Collor sofre um processo de impeachment que ocasiona a ascensão a presidência de Itamar Franco. Sua principal realização foi a de garantir a estabilidade da moeda por meio da criação do Plano Real. Este plano contou com o auxílio de Fernando Henrique Cardoso, até então Ministro da Fazenda do governo Itamar. FHC apenas assume o poder com as eleições de 1994. Seu governo é caracterizado pela intensificação da ofensiva neoliberal traduzida por meio da precarização das políticas sociais e inúmeros cortes nos serviços públicos. Incentiva a iniciativa privada no desenvolvimento de programas sociais que possam dar conta das demandas da população, observando-se uma espécie de refilantropização e solidarização das ações sociais.
Após toda esta análise, buscar-se-á melhor compreender o processo de construção da formação social brasileira com vista a proporcionar subsídios para apreender a historicidade das políticas sociais no país. 

1 QUESTÃO SOCIAL: CONCEITO E ORIGEM  
De acordo com Netto (2001), a sociedade de classes não é exclusiva do modo de produção capitalista, uma vez que, mesmo no feudalismo ou no período da escravidão, pode-se observar uma sociedade marcada por grupos que dominavam e pelos que eram dominados. O século XVIII e a eclosão da Revolução Industrial, no entanto, contribuiu para o acirramento entre duas classes que, eminentemente, se embatem no capitalismo: burguesia e proletariado. A questão social, nesse momento, surge para dar conta de um fenômeno que advém do desenvolvimento das forças produtivas na Inglaterra, o pauperismo. Esse fenômeno, por sua vez, representa a condição de extrema miséria pela qual os proletários da primeira industrialização enfrentavam. Muitos deles chegaram a deixar suas terras no meio rural e se deslocaram para as cidades a fim de encontrar melhores condições de vida e sustento. Esse êxodo rural transformou o corpo dos camponeses em mero apêndice da máquina, ao passo que também passaram a compor a força de trabalho industrial, representando o grande motor que coloca em movimento o processo de trabalho.
Ainda conforme Netto (2001), nos modos de produção anteriores ao capitalismo a pobreza e principalmente a fome, existiam devido à escassez de alimentos. Porém, com o advento da Revolução Industrial e consequente desenvolvimento das forças produtivas, os papéis se inverteram: a quantidade de alimentos tornou-se superior a população, muito embora a pobreza e a fome continuam a existir. Ao aumentar a produção é de se supor que a questão da fome fosse superada, no entanto, isso não acontece na medida em que toda a riqueza produzida socialmente é apropriada individualmente pelo burguês. Pode-se dizer, portanto, que a pobreza passou a crescer na mesma proporção que a produção. Trata-se de uma contradição na qual se funda o modo de produção capitalista.
A partir da segunda metade do século XIX, conforme Netto (2001), a expressão questão social passou a ser utilizada pelo pensamento conservador, sendo naturalizada dentro desse contexto. Assim, passa a ser vista pelos pensadores laicos como um desdobramento na sociedade moderna de características inelimináveis de toda e qualquer ordem social, podendo ser no máximo objeto de intervenção política limitada, capaz de amenizá-la e reduzi-la através de um ideário reformista. Ou seja, não havia nenhuma problematização da ordem econômica social estabelecida e não se tocava nos fundamentos da sociedade burguesa. Não havia, nesse momento, uma compreensão teórica do que estava acontecendo, a questão social era vista como inerente e como parte constitutiva do desenvolvimento capitalista.
O ano de 1848, segundo Netto (2001), é marcado pelo esgotamento do ciclo revolucionário burguês, na qual a burguesia representou o principal sujeito histórico que conduziu o processo de transformação da sociedade feudal para a capitalista. Ao se converter em classe dominante, a burguesia também passa a voltar-se para a defesa de seus próprios interesses, abandonando todo ideário revolucionário para assumir uma postura conservadora frente à estrutura social. “[...] uma das resultantes de 1848 foi a passagem [...] do proletariado da condição de classe em si a classe para si. As vanguardas trabalhadoras acederam [...] à consciência política de que ‘questão social’ está necessariamente colada à sociedade burguesa” (NETTO, 2001, p. 44). A questão social, neste momento, deixa de ser compreendida como algo natural na sociedade, para ser apreendida como contradição entre capital e trabalho que assegura a própria reprodução do sistema capitalista.
No contexto brasileiro, conforme Skidmore (1975), as expressões da questão social permaneceram, por um longo período, sendo enfrentadas de maneira repressiva e vistas como caso de polícia. Associada a esta visão, a culpabilização do indivíduo colocava-se como justificativa para a ausência de respostas do Estado. Até a década de 1930, poucas eram as ações públicas estatais na garantia de direitos sociais dos cidadãos. Estas passaram a apresentar-se na cena brasileira, somente a partir do governo de Vargas, período em que a questão social adquiriu uma conotação política. Portanto, é importante salientar que as respostas ao enfrentamento da questão social incorporam, nos diversos períodos subsequentes, características e orientações diferenciadas. A análise de cada uma delas será desenvolvida a seguir.  

2 ERA VARGAS: DO POPULISMO A REPRESSÃO (1930 – 1945)
Getúlio Dornelles Vargas nasceu em 19 de abril de 1883 na cidade de São Borja, no estado do Rio Grande do Sul. Em 1929, a Aliança Liberal[1] lançou sua candidatura e a de João Pessoa ao cargo de presidente e vice-presidente da república. Neste período, vigorava no país a política do café-com-leite, isto é, a alternância no poder de candidatos dos estados de São Paulo e Minas Gerais. Segundo Lopes (2002), Washington Luís, até então presidente paulista da República (1926-1930), deveria após o fim de seu mandato indicar a candidatura do mineiro Antônio Carlos Ribeiro de Andrade, entretanto apadrinhou o paulista Júlio Prestes para assumir a sucessão de seu cargo. Neste contexto, ocorre o fim da política do café-com-leite. A Aliança Liberal, principal opositora da candidatura de Júlio Prestes, apoiou ao cargo Getúlio Vargas e João Pessoa. Embora tenha sido marcada por fraudes eleitorais, Júlio Prestes adquiriu o maior número de votos durante as eleições. Contudo, devido ao assassinato de João Pessoa, sua morte passa a ser vista e interpretada como manobra do governo para silenciar qualquer oposição. Este fato acarretou na Revolução de 1930, quando em 24 de outubro Washington Luís foi deposto, antes mesmo de Júlio Prestes tomar posse. O Golpe armado foi liderado pelos estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba e culminou na tomada do poder do Governo Provisório por Vargas em 3 de novembro do mesmo ano.

2.1  Contexto econômico e político da Era Vargas
O período de 1930 a 1937 corresponde ao período em que Vargas administrou o país tendo por base características populistas e desenvolvimentistas. De acordo com D’Araujo (1997), a crise financeira internacional de 1929, decorrente do crack da Bolsa de Valores de Nova York, afetou a econômica cafeeira brasileira. Devido aos países envolvidos na Primeira Guerra Mundial estarem se recuperando, estes passaram a investir em sua própria modernização, ocasionado a consequente diminuição de exportação brasileira. Neste período, o Brasil tinha sua econômica dependente quase que exclusivamente da exportação de café[2]. Neste sentido, o mercado internacional não conseguia absorver toda a produção nacional e pretendendo valorizar o produto, o governo brasileiro comprou os estoques e os queimou.
Outro fator enfrentado era o problema da dívida externa. Conforme D’Araujo (1997), esta questão foi respondida por meio funding loan[3], o qual estabeleceu algumas medidas em relação à dívida: “[...] aumento nas taxas de importação e nas taxas de juros, a criação de novos impostos e a desvalorização do câmbio” (D’ARAUJO, 1997, p. 49). Tais medidas impediram a ruína do setor cafeicultor e ocasionaram a transferência de investimentos da agricultura para a indústria. Neste período, verifica-se o início do processo de industrialização impulsionado pela Era Vargas. Por todas as articulações e medidas promovidas por Getúlio, pode-se afirmar que a crise de 1929 não teve impacto negativo no país.
O período de 1930 a 1934 foi presidido por Getúlio Vargas na condição de Chefe do Governo Provisório. No que diz respeito aos aspectos políticos de seu mandato, entre os anos de 1930 a 1932, registrou-se o avanço do movimento Tenentista[4]. Conforme Lopes (2002), ao assumir o poder pela Revolução de 1930, Vargas rompeu com a Velha República (1889-1930) na medida em que desarticulou o domínio das antigas oligarquias que dominavam a economia cafeeira. Inaugurando uma nova política centrada, no nacionalismo[5] e no populismo, Vargas designou tenentes para assumir a organização dos Estados – papel até então desempenhado pelas oligarquias locais. Insatisfeita com a perda de poder político em nível nacional, a oligarquia paulista uniu-se com os setores da classe média a fim de retomar o domínio político. Esta organização ficou intitulada como Revolução Constitucionalista[6] de 1932, cuja oligarquia saiu derrotada. Neste contexto, Vargas aliou-se a elite paulista e empunhou uma reconstitucionalização para o país, expressa com a aprovação da nova Constituição em 1934.
Segundo Lopes (2002), no período de 1934 a 1937, Vargas presidiu o país na condição de Presidente Constitucional do Brasil. Neste momento, no contexto internacional verificava-se a ascensão da ideologia nazifascista nos países da Alemanha e da Itália. Este fato refletiu na organização nacional na medida pode-se observar a formação de dois grupos divergentes no interior do país, a saber: a Ação Integralista Brasileira (AIB)[7], liderada por Plínio Salgado e de inspiração fascista; e a Aliança Nacional Libertadora (ANL)[8], dirigida por Luís Carlos Prestes e de inspiração progressista, popular e antifascista. Em novembro de 1935, conforme Lopes (2002), após o fechamento da ANL, os militantes da organização promoveram uma rebelião armada a partir dos quartéis. Este episódio ficou conhecido como Intentona Comunista e ocorreu nas cidades de Natal, Recife e Rio de Janeiro. A rebelião, apesar do nome, não pretendia implantar o socialismo, apenas promover algumas medidas de cunho reformista. Após seu fracasso, os líderes do movimento, entre eles Luís Carlos Prestes, foram presos e sua esposa, Olga Prestes foi enviada grávida a um campo de concentração nazista.
Esgotado o período da Segunda República (1930 a 1937), o Estado Varguista, com o objetivo de garantir a continuidade no poder, cancela as eleições marcadas para 1938 e instaura a ditadura como meio de evitar a instalação de um suposto plano comunista – Plano Cohen – que tomaria país. Segundo Lopes (2002), este plano possibilitou a permanência de Vargas no poder através da implantação do Estado Novo (1937 a 1945). Este, conforme Couto (2006), foi sustentado por meio de um projeto social autoritário e de perspectiva industrializadora. Para legitimá-lo, a concessão de direitos sociais se colocou como pressuposto fundamental. Neste período, o fechamento dos partidos políticos, a imposição da censura à imprensa, a desarticulação da AIB e a promulgação de uma Nova Constituição (1937), também se caracterizaram, segundo D’Araujo (1997), como medidas instauradas por Vargas com o início da ditadura.
Diante desta conjuntura, a Segunda Guerra Mundial desempenhou papel preponderante no contexto da econômica brasileira, pois, de acordo com D’Araujo (1997), possibilitou o estímulo a industrialização por duas razões, a saber: com a Guerra, os países concentraram-se em satisfazer suas próprias necessidades, obrigando o Brasil a se industrializar e a fabricar seus próprios produtos. Por outro lado, os Estados Unidos, temendo uma aliança brasileira com as potências do Eixo, passaram a financiar siderúrgicas no país. Conforme D’Araujo (1997), a renegociação da dívida externa também foi reordenada pela assinatura do Tratado Comercial Brasil-Estados Unidos. Este tratado garantia a diminuição das taxações dos produtos norte-americanos no Brasil e em troca os Estados Unidos asseguravam facilidades para as exportações de café e borracha. Mesmo mantendo relações com o comércio norte-americano, Vargas também estabeleceu relações comerciais com a Alemanha e a Itália. Desse modo, em relação aos aspectos políticos, “[...] o Brasil explorou as possibilidades que cada potência mundial pudesse oferecer, valendo-se de circunstâncias que lhe fossem favoráveis” (D’ARAUJO, 1997, p. 52). Com o desenrolar do conflito internacional, o Brasil encontrava-se obrigado a se posicionar. Pelos investimentos norte-americanos serem mais vantajosos dos que os oferecidos pela Alemanha, Vargas alinhou-se ao lado dos Aliados e em 1944 enviou à Itália a Força Expedicionária Brasileira (FEB) composta por 25 mil homens, denominados pracinhas para auxiliarem na guerra.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, encerra-se no mesmo ano a ditadura do Estado Novo por consequentes pressões da sociedade pela volta da democracia. Foi um período marcado pela suspensão da censura até então posta, a supressão do controle policial, ressurgimento da vida partidária e elaboração de uma Nova Constituição (1946). Neste momento, Vargas estabeleceu data para novas eleições que, por sua vez, foram marcadas pelo movimento Queremista (“Queremos Getúlio!”). Esta, de acordo com Lopes (2002), foi a organização que tinha como proposta o adiamento das eleições diretas para presidente e da manutenção de Vargas no poder. Neste sentido,
Já é possível perceber as contradições peculiares às mudanças do processo histórico: o Vargas de 1937 fora conveniente às elites, para controlar comunistas e movimentos populares; o Vargas de 1945 já não mais convinha em função de seu nacionalismo, o qual, importante a um projeto substitutivo, tornara-se incômodo ao capital americano, ávido de entrar no mercado brasileiro mas que não se sujeitava a controle de um governo forte. (LOPES, 2002, p. 66).
Ainda no final do Estado Novo, de acordo com Junior e Maranhão (1981), Vargas fundou dois partidos políticos: Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e Partido Social Democrático (PSD). O primeiro foi fundado em maio de 1945, vinculado às massas trabalhadoras urbanas e com ênfase no crescimento econômico e industrial, de inspiração populista. O segundo foi fundado em julho de 1945, ligado aos setores latifundiários e oligárquicos. O principal partido de oposição ao PTB e ao PSD, foi a União Democrática Nacional (UDN)[9] criada em abril de 1945. De acordo com Benevides (1981), a UDN reuniu aliados com o objetivo de apressar a queda de Vargas e suspender o regime ditatorial, posicionando-se contrário à política getulista. Estes partidos, pois, representarão os principais atores que darão corpo ao cenário que mais tarde veio a se configurar no Brasil.

2.2 Contexto social, demandas da classe trabalhadora e respostas políticas do Estado Varguista
Diante dos aspectos econômicos e políticos já elencados, o contexto social no período da Era Vargas pode ser apresentado em dois momentos distintos: àquele entre 1930-1937 e o de 1937-1945. Segundo Couto (2006), o processo de harmonização entre capital e trabalho caracterizou-se como o elemento central sob a qual se desenvolveu a política varguista. Ao assumir a chefia do Governo Provisório pelo Golpe de 1930, seu primeiro ato foi criar, no mesmo ano, o Ministério do Trabalho. Sua principal função seria o de conciliar as classes sociais em disputa no interior da sociedade.
Para esta harmonização, criou-se um sistema corporativo, por meio da legislação de sindicalização. O decreto nº 19.770, de março de 1931, [...] instituiu as condições para se formalizar os sindicatos, que necessitavam da aprovação do Ministério para funcionar e se constituírem em órgão de colaboração com o poder público (COUTO, 2006, p. 95).
 Além do controle dos sindicatos, outra estratégia utilizada pelo governo Vargas foi o corporativismo[10]. Somando estes dois elementos, de acordo com D’Araujo (1997), o objetivo da política social de Vargas era garantir a paz social pela ação mediadora do Estado e por meio do modelo sindical vigente atrair os trabalhadores do campo para a cidade a fim de fomentar a mão de obra industrial. Apenas os trabalhadores urbanos sindicalizados tinham alguns direitos assegurados e a legislação sindical procurava, justamente, tornar o trabalho industrial mais atrativo, incentivando o êxodo rural.
Para Couto (2006), na política varguista deste período, apenas os trabalhadores urbanos vinculados ao mercado formal de trabalho tinham a possibilidade de se inserirem nas políticas sociais da época. Os trabalhadores vinculados ao trabalho rural, por sua vez, encontravam-se desprotegidos e a mercê dos principais riscos da existência social. Uma das principais medidas que garantiram a visibilidade da política proposta por Vargas, concentrou-se no campo previdenciário. De acordo Behring e Boschetti (2011), uma das primeiras iniciativas de seu governo foi a expansão das Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs). A primeira fundada no Brasil foi no ano de 1923, através da Lei Eloy Chaves e destinava-se aos trabalhadores ferroviários. As CAPs se organizavam por categorias profissionais e asseguravam alguns benefícios como o direito a aposentadoria, socorro médico e descontos na compra de medicamentos. Segundo Couto (2006), eram ainda mantidas por meio da contribuição de empregados e empregadores, sem que houvesse participação do Estado, sendo substituídas pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) em 1933.
Em 1930, de acordo com Behring e Boschetti (2011), foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública, o Conselho Nacional de Educação e o Conselho Consultivo do Ensino Comercial. Até esta década não se registrava nenhuma política nacional voltada para a saúde. O Estado, ao inaugurar tal política, passou a desenvolver ações em dois eixos principais, a saber: a saúde pública e a medicina previdenciária, ambas ligadas aos IAPs e destinadas às categorias referenciadas pelos Institutos.
Em 1934, decorrente da Revolução Constitucionalista, foi promulgada uma nova Constituição que substituiu a de 1891. Inaugurando o fim do Governo Provisório, a Constituição de 1934, segundo Couto (2006), estabeleceu direitos civis, políticos e sociais e inspirou-se nos ideários liberais, vigorando até 1937. Dentre os direitos assegurados encontravam-se: a não distinção de credo, sexo, raça e classe social; sigilo de correspondência; habeas corpus; direito ao voto secreto, obrigatório, extensivo a mulher e aos maiores de 18 anos, com exceção dos analfabetos, praças e mendigos; liberdade de associação; pluralidade sindical; criação da justiça do trabalho. Se a Constituição de 1934 inspirou-se em ideários liberais, a Constituição de 1937, apelidada de Polaca, baseou-se em princípios de caráter fascista e autoritário, característicos do Texto Constitucional polonês. Além disso, “[...] o nosso regime autoritário veio para munir o governo dos instrumentos necessários para o controle da massa operária, consoante às estratégias populistas” (LOPES, 2002, p. 63).
Segundo Lopes (2002), a Constituição de 1937 concentrou poderes absolutos nas mãos do chefe do Executivo. Seu conteúdo era extremamente centralizador e atendia os interesses de grupos políticos que desejavam um governo forte. “Os direitos enunciados na Constituição de 1937 diferem basicamente dos da de 1934 pela possibilidade de intervenção direta do Estado no exercício desses direitos, controlando-os a partir do projeto econômico e social do Estado Novo” (COUTO, 2006, p. 102). Conforme Couto (2006), esta Constituição garantiu centralidade na área trabalhista e estabeleceu a obrigatoriedade do Estado de ofertar o ensino pré-vocacional e educacional. Com estas medidas, procurava-se expandir as alternativas de mão de obra disponíveis para incrementar o projeto nacional desenvolvimentista em curso.
Em 1939, conforme Couto (2006), criou-se ainda uma nova legislação, inspirada na Carta de Lavoro[11], com o intuito de intensificar o controle da ação dos sindicatos[12] pelo Estado. Foi criado também o imposto sindical que, de acordo com D’Araujo (1997), consistiu no pagamento obrigatório de um dia de trabalho por ano do trabalhador sindicalizado ou não. No ano de 1939, foi criado, por meio de decreto, o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Este era responsável por enaltecer a figura de Vargas e promover um programa de propaganda política com o objetivo de fortalecer o espírito nacionalista. O DIP também instituiu a censura à imprensa escrita e falada, constituindo-se como um instrumento de aproximação entre presidente e trabalhadores, sendo extinto com o fim do Estado Novo.
Em 1942, segundo Behring e Boschetti (2011), pode-se dizer que a Legião Brasileira de Assistência (LBA) se caracterizou como a mola propulsora da Assistência Social no país. Esta instituição foi criada com o objetivo de prestar serviços às famílias dos pracinhas enviados para guerra e era coordenada pela primeira dama Darci Vargas. Possuía caráter assistencialista e na perspectiva da tutela das famílias. Ainda no ano de 1942, é criado o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). Conforme Iamamoto e Carvalho (2012), esta instituição tinha como objetivo atuar na preparação de uma elite de técnicos para atender as exigências do mercado e da produção capitalista. Em 1943, com a criação da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) o governo Vargas encontrou os pressupostos para a conformação da classe trabalhadora em meio ao regime ditatorial e as consequências trazidas pelo início do processo de industrialização. A CLT trouxe consigo a criação da
[...] carteira de trabalho, instituiu jornada diária de oito horas, férias remuneradas, salário-maternidade e criou a área de segurança e a medicina do trabalho. Assim, consolidava-se de maneira sistemática um rol de direitos que orientavam o governo Vargas no sentido de manter atrelado à sua tutela o campo dos direitos relativos ao trabalho, organizando as relações entre capital e trabalho (COUTO, 2006, p. 103).
É importante ressaltar que, embora na Era Vargas os trabalhadores tenham conquistado uma série de direitos até então inexistentes, tais conquistas não foram resultado de lutas ativas da classe trabalhadora. Sua situação no início dos anos 1930 e durante o início do processo de industrialização, acarretaram em novas expressões da questão social fomentadas pelo projeto econômico e social de Getúlio. Diante disso, as exaustivas jornadas de trabalho, a submissão de mulheres e crianças a atividade industrial, o êxodo rural, a ausência de uma proteção para os trabalhadores rurais, constituíam-se como algumas das principais sequelas da questão social apresentadas durante a Era Vargas. De acordo com Behring e Boschetti (2011), tal governo caracterizou-se por uma ação mediadora no tocante as sequelas apresentadas. Porém, com o objetivo de impedir manifestações e reinvindicações populares por melhores condições de vida e de trabalho, Vargas antecipou-se e garantiu alguns direitos a classe trabalhadora a fim de conformá-la e garantir o prestígio de sua imagem. Por este motivo, ficou conhecido como “pai dos pobres” e reconhecido por sua imensa “bondade” para com o povo. Sob essa fachada, conseguiu a simpatia da população, assegurando a continuidade de sua proposta industrializante. Entretanto, sabe-se que a esta manobra política de concessão de direitos constituiu-se como elemento estratégico para também assegurar os interesses de pequenos grupos políticos e econômicos que defendiam seu projeto de governo. Além disso, as legislações sociais de seu período tinham um caráter paternalista, clientelista e assistencialista. Pode-se dizer, portanto, que tais legislações acabaram por se legitimarem no campo da política social na perspectiva do favor e da tutela, favorecendo, assim, a conjuntura para a extensão do domínio de Vargas no contexto da sociedade brasileira. “Todo este aparato estava voltado para o fortalecimento das condições exigidas pelo desenvolvimento do setor industrial, uma política que se desenvolveu com forte apelo junto à população empobrecida e às classes trabalhadoras” (COUTO, 2006, p. 104).

3 DE LINHARES AO SUICÍDIO DE VARGAS: 1946-1954
Em meados do fim do Estado Novo, de acordo com Junior e Maranhão (1981), Getúlio Vargas substituiu a chefia da polícia por seu irmão Benjamim Vargas. Insatisfeito com esta situação, o então Ministro de Guerra, Góis Monteiro, tomou o controle do episódio e, antes mesmo das eleições de dezembro de 1945, impôs a Vargas sua renúncia por meio do Golpe de 29 de outubro. Assumiu o poder, neste momento, José Linhares que ficou responsável por presidir as eleições e transferir o governo a seu vencedor. Eurico Gaspar Dutra, candidato pelo PSD, vencendo as eleições, iniciou os trabalhos para a elaboração de uma Nova Constituinte (1946), visto que ainda vigorava no país a Constituição de 1937 e que a sociedade estava retornando ao regime democrático.
A Constituição de 1946, segundo Júnior e Maranhão (1981), teve que reconhecer a liberdade e a autonomia sindical frente à conjuntura democrática que se abria. Além disso, o direito de greve foi permitido, mas apenas quando houvesse interesses superiores que envolviam o Estado. Essa manobra política permitiu a continuação do controle exercido sobre a classe operária, agora sob uma perspectiva dita democrática. No que se refere à questão da propriedade da terra, instituiu-se a obrigatoriedade de indenização prévia nas apropriações e acrescentou sua utilização vinculada à função social. Assim,
A nova Constituição promulgada em 1946, na realidade, não representou uma ruptura com o espírito do Estado Novo. Ela apenas criou instrumentos institucionais para o funcionamento dessa nova ordem democrática, estabelecendo eleições livres e direitos cívicos a população e restaurando formalmente o sistema federativo. (FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA, 1983, p. 87).
Em 1946, no governo de Dutra, também foi criado o Serviço Social da Indústria (SESI) que, de acordo com Iamamoto e Carvalho (2012), era responsável por planejar e executar medidas e serviços que promovessem o bem-estar do trabalhador na indústria. O SESI serviu como meio de institucionalizar o interesse da burguesia industrial, visto que era uma das formas de enfrentar as expressões da questão social, intensificada pelo início do processo de industrialização. É importante advertir que tal instituição caracterizou-se como uma forma de conformar o trabalhador à esfera produtiva, garantindo meios de assegurar sua alta rentabilidade. No mesmo ano, verificou-se a criação da Fundação da Leão XIII “[...] como primeira instituição assistencial que tem por objetivo explícito uma atuação ampla sobre os habitantes das grandes favelas” (IAMAMOTO; CARVALHO, 2012, p. 298).  Nesse sentido, a pobreza em que sobrevivia a classe trabalhadora, a constituição de favelas nos centros urbanos, a ausência de garantias mais efetivas por parte do governo diante da questão habitacional e a crescente existência de uma população excluída dos circuitos produtivos (desempregados, vítimas da indústria – mutilados, órfãos, viúvas, crianças abandonadas –, segmentos que caíram no “banditismo” e os grupos sociais expulsos do campo) se traduziam como as principais expressões da questão social do período.
Em relação aos aspectos econômicos do governo Dutra, sua principal realização foi a implantação do Plano Salte em 1948. Segundo Couto (2006), este Plano caracterizava-se por planificar medidas de atuação do Estado nas áreas de saúde, alimentação, transporte e energia, consistindo num plano centralizado, em especial, na questão da maternidade e da infância. O Plano Salte, embora tenha demonstrado uma preocupação em relação aos aspectos sociais, não conseguiu propor medidas capazes de incentivar sua erradicação. Por esse motivo, não promoveu grandes transformações na forma do Estado se relacionar com a questão social.
Marcada as eleições para outubro de 1950, de acordo com Junior e Maranhão (1981), Vargas voltou ao poder por via de eleições diretas, continuando a governar com base numa política populista. Ao assumir o poder, tentando resolver o problema com os Estados Unidos, existente desde o fim do Estado Novo, Vargas manobrou um duplo jogo político: buscava garantir o desenvolvimento de uma política nacionalista, ao mesmo tempo em que procurava manter boas relações com os interesses norte-americanos por meio da Comissão Mista Brasil-EUA. Tal jogo traduzia-se através da “[...] promessa de facilitar os investimentos privados externos, desde que associados aos capitais nacionais” (JUNIOR; MARANHÃO, 1981, p. 249). Em 1951, enviou um projeto de lei com a proposta de criação de um monopólio estatal do petróleo. Este projeto foi aprovado apenas em 1953, dando origem a Petrobrás[13]. Além disso, João Goulart, Ministro do Trabalho do governo Vargas, propôs um aumento de 100% do salário mínimo[14]. Getúlio também exigiu um atestado ideológico para a existência dos sindicatos, fato que levou a explosão dos movimentos operário-sindicais no início de 1953.
De acordo com o Arquivo Nacional (2012), Vargas criou em seu segundo mandato alguns órgãos públicos, dentre eles: o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários (IAPI) em 1951, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) em 1952, o Plano do Carvão Nacional e a Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia.
Neste contexto, segundo Couto (2006), o mundo vivia o período da Guerra Fria[15], o que significava o perigo constante do comunismo adentrar no país. Com o intuito de evitar este risco, a política trabalhista de Vargas foi fundamental para controlar os movimentos dos trabalhadores que representavam o terreno fértil das ideias socialistas. Assim, o arrocho salarial e o elevado custo de vida da população constituíam-se como as principais expressões da questão social do período. É importante ressaltar que, se no período da Era Vargas (1930-1945), o Estado concedeu direitos trabalhistas sem que houvesse um movimento de lutas ativas da classe trabalhadora, neste momento (1951-1954), verifica-se uma maior articulação e organização dos trabalhadores no processo de reivindicação de direitos, inspirados na disputa ideológica entre as ideias capitalistas e comunistas materializadas pela Guerra Fria.
O segundo governo de Vargas, de acordo com Viera (1985), teve seu ultimato no episódio denominado “crime da Rua Toneleros” em agosto de 1954. Este fato correspondeu ao mando do assassinato de Carlos Lacerda, seu principal opositor. O episódio causou a morte um oficial da Aeronáutica, despertando a intervenção dos militares. Diante deste contexto, Vargas suicidou-se em 24 de agosto do mesmo ano, saindo da vida para entrar na história.

4 JUSCELINO KUBITSCHEK: O DESENVOLVIMENTISMO (1956-1961)
A candidatura de Juscelino Kubitschek e as eleições de outubro de 1955[16], de acordo com Vieira (1985), foram marcadas por fortes tensões políticas. Com o suicídio de Vargas em 1954, assumiu a presidência o vice-presidente Café Filho. Para lançar a candidatura de Juscelino e João Goulart, realiza-se a união entre dois principais partidos da época, inaugurando-se a coligação PSD/PTB. Em oposição a tal coligação encontrava-se a União Democrática Nacional (UDN) que, por sua vez, lançou a candidatura de Juarez Távora.
Foi um período fortemente marcado pela oposição entre coligação PSD/PTB e UDN. Segundo Carvalho (2002), a coligação PSD/PTB, partidos fundados por Vargas, reunia os herdeiros da política getulista. A candidatura de JK, por ter sido apoiada por tal coligação, foi vista pelos udenistas como uma espécie de continuação do getulismo. Nesse sentido, a União Democrática Nacional, por já ter se posicionado contrário a ditadura implantada por Vargas, reunia forças políticas antigetulistas e procurava impedir a vitória de Juscelino no processo eleitoral. Numa palavra: as eleições de outubro de 1955 ficaram marcadas pela luta histórica personificada pelos atores sociais que davam vida à oposição entre varguistas e antivarguistas.
Mesmo diante de tais impasses e oposições, de acordo com Vieira (1985), Juscelino Kubitschek foi eleito presidente da república com 36% dos votos e João Goulart como vice-presidente. Passada as eleições, por motivos de saúde, Café Filho foi afastado e substituído do cargo de presidente por Carlos Luz, presidente da Câmara dos Deputados. Este, aproximando-se dos ideais da UDN foi acusado pelo Ministro de Guerra, General Henrique Lott, de pactuar com os conspiradores que desejavam impedir a posse do presidente eleito e instaurou o Golpe Preventivo de 11 de novembro. Este golpe consistiu num movimento político-militar, donde militares cercaram o Palácio do Catete. Carlos Luz foi deposto e substituído por Nereu Ramos, vice-presidente da Câmara do Senado, o qual decretou Estado de Sítio – suspensão dos poderes legislativo e judiciário –, fato que permitiu a transferir a posse do cargo de presidente da república para Juscelino Kubitschek em 31 de janeiro de 1956.

4.1 Contexto econômico e político do período JK
A política juscelinista, segundo Viana (1980), diferenciou-se do projeto econômico proposto por Vargas. Enquanto este centrava-se em ideais populistas e nacionalistas para o desenvolvimento do país, Kubitschek apostava na abertura da econômica brasileira ao capital estrangeiro a partir das negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Em relação aos aspectos políticos de seu governo, JK encontrou nesta abertura ao capital as condições para ampliação do desenvolvimento interno da economia e para satisfazer as necessidades dos países estrangeiros num período pós-guerra. Com o final da Segunda Guerra Mundial e com a criação do Plano Marshall[17], verifica-se “[...] outra forma mais sofisticada de expansão e dominação por parte do capital internacional – as transferências de fábricas completas para a produção de bens, até então exportados, nos próprios locais de consumo” (VIANA, 1980, p. 75). Neste momento, observou-se que a econômica brasileira passou de sua fase primário-exportadora para o desenvolvimento do setor industrial de maneira mais intensa. Por meio de uma política desenvolvimentista procurou-se também combater o perigo do comunismo e alinhar o país ao projeto societário norte-americano.
Em fevereiro de 1956, segundo Barbosa (2009), em relação aos aspectos econômicos, foi lançado o Plano de Metas, principal instrumento norteador do governo JK que tinha como lema central desenvolver o país em “50 anos em 5”. Consistiu no planejamento em infraestrutura a partir de um tripé de investimentos baseado em três tipos de capitais, a saber: estatal – responsável pelo investimento em infraestrutura e base; estrangeiro – encarregado de aplicar recursos em bens de consumo duráveis; e nacional – incumbido de investir em bens de consumo não duráveis. O referido Plano contava com trinta metas, abrangendo o investimento em energia, transportes, indústrias de base, alimentação e educação. Além delas, Juscelino acrescentou a trigésima primeira, correspondente a construção Brasília[18]. Segundo Viana (1980), o investimento em infraestrutura e a consolidação da produção de bens de consumo duráveis expressaram-se, principalmente, por meio da instalação de multinacionais no país. Entre elas destacam-se: Ford, Wolkswagen, Willys e General Motors. 
Na realidade, não se pode negar que, com o Programa de Metas, o Brasil veio a construir, como se diz, “uma estrutura industrial integrada”, através de renovada atuação do Estado no campo econômico. [...] constituiu uma resposta brasileira às propensões do capitalismo mundial da época. E mais: significou sobretudo reduzir o desenvolvimento econômico apenas à industrialização, sem se preocupar com a emancipação econômica ou com muitas questões políticas, sufocadas pelo tecnicismo (VIEIRA, 1985, p. 86, grifo do autor).
De acordo com Cardoso (1978), a Operação Pan-Americana (OPA) de 1958 também foi um organismo elaborado pela diplomacia brasileira que auxiliou no desenvolvimento do Plano de Metas. Consistiu na união do continente americano com objetivo de combater a miséria e as carências enfrentadas pelos países. Com a erradicação de tais fenômenos procurava-se estimular o desenvolvimento econômico. A OPA, por ter os Estados Unidos como um de seus membros funcionava como um instrumento para evitar a formação de regimes socialistas. Um dos frutos da OPA foi a criação, em 1959, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), responsável por financiar diversos projetos de desenvolvimento.
A política de Juscelino, expressa principalmente no Plano de Metas, segundo Viana (1980), apesar de ter sido favorável ao desenvolvimento da econômica nos primeiros anos, registrando altas taxas de desenvolvimento[19], apresentou ao longo de sua execução graves consequências em âmbito nacional. A principal delas foi a intensificação do processo inflacionário. Nos três primeiros anos de seu governo a inflação mantinha-se em torno de 16% ao ano, já nos dois últimos anos, concentrou-se num percentual de 33%. Segundo o Arquivo Nacional (2012), na tentativa de controlar a inflação foi elaborado, em 1958, o Plano de Estabilização Monetária. Este plano foi submetido para aprovação ao FMI, que avaliou um crédito de 300 milhões de dólares concedidos pelos Estados Unidos. A exigência do FMI para a aprovação de tal plano deixou a JK a escolha de duas possibilidades: continuar a execução do Plano de Metas ou aceitar as exigências impostas pelo FMI, promovendo uma política de contenção da econômica interna brasileira para satisfazer os credores externos. Optando pela primeira alternativa, Juscelino Kubitschek rompeu as negociações com FMI em 1959.
Além disso, outra característica do governo JK, segundo Viana (1980), se referiu ao investimento pesado na área industrial que acabou por ocasionar uma grande disparidade entre o setor urbano e rural. Este ficou à margem do Plano de Metas, pois oferecia aparo quase nulo às atividades agrícolas[20]. Acompanhado do processo de industrialização, conforme Viana (1980), a urbanização consistiu num dos fenômenos significativos registrados durante o período juscelinista, pois a população urbana, entre os anos 1952 a 1961, cresceu em 75%. Em meio a este contexto, de acordo com Cardoso (1978), reaparece na cena política o Movimento das Ligas Camponesas[21]. Apesar da área rural não ter sido contemplada pelo Plano de Metas, seus impactos refletiram no campo na medida em que promoveram a mecanização da agricultura e consequente aceleração da produção. Em 1961, foi realizado em Minas Gerais, o Primeiro Congresso Nacional de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, reivindicando a extensão dos direitos trabalhistas a todos os trabalhadores rurais. Neste momento, observou-se que a organização da classe trabalhadora vai, aos poucos, substituindo seu caráter assistencialista por mobilizações de cunho político mais ativo.

4.2 Contexto social, demandas da classe trabalhadora e respostas políticas do governo JK
A política de Juscelino Kubitschek, de acordo Skidmore (1975), baseando-se no desenvolvimentismo, ao mesmo tempo em que possibilitou o crescimento da economia e a industrialização do país, também fez crescer o endividamento do Brasil com os países estrangeiros. Este fato evidencia que a abertura ao capital estrangeiro trouxe consigo, além de consequências econômicas, duras sequelas sociais para a população. Deste modo, o analfabetismo, a saúde precária, o achatamento dos salários e o aumento das favelas devido à intensificação do êxodo rural, constituíam-se como as principais demandas deste período.
Investindo numa política industrial, conforme Cardoso (1978), verifica-se no governo JK, o deslocamento de uma econômica essencialmente agrária-rural para uma de base industrializante. A consolidação deste processo estimulou a saída dos trabalhadores rurais para os grandes centros. O fenômeno do êxodo rural, iniciado na Era Vargas, intensificou-se ao longo do governo juscelinista. Uma das expressões da questão social, relacionadas a esta temática, portanto, consistiu na ausência de garantias aos trabalhadores rurais e o consequente inchaço urbano. Neste momento, as Ligas Camponesas desempenharam papel fundamental, pois foram responsáveis por reivindicar por direitos e redistribuição de terras.
A principal estratégia utilizada por Juscelino, durante seu mandato, foi o Plano de Metas. A educação consistia num dos pilares deste plano. De acordo com Vieira (1985), a política educacional era prioridade somente na medida em que impulsionava o desenvolvimento econômico. Neste sentido, a educação técnico-profissional situava-se de maneira preponderante em seu pensamento, pois através dela acreditava-se que se garantiria a formação de uma elite especializada disposta a atender as necessidades da indústria e do desenvolvimento do país. Até mesmo o ensino primário, nesta época, destinava-se a educação para o trabalho. Outro problema enfrentado na área educacional, conforme Vieira (1985), era a questão do analfabetismo[22]. Esta expressão da questão social atingia cerca de 50% da população do país. Procurando responder este fenômeno, Juscelino, apostou numa ação limitada a regiões específicas, já que para ele o governo deveria investir apenas naquelas áreas em que houvesse mão de obra disponível e interessada em qualificar-se para as empresas. “A luta contra o analfabetismo, portanto, não assumia papel tão prioritário” (VIEIRA, 1985, p. 101). Outro aspecto importante que marca a política governamental no período JK foi à aprovação do projeto de Diretrizes e Bases da Educação Nacional[23] em 1961.
A Saúde também se constitui noutro eixo norteador do Plano de Metas de Juscelino. Surgido o Ministério da Educação e Saúde Pública em 1930, observa-se sua separação em 1953, dando origem ao Ministério da Saúde. De acordo com Vieira (1985), seu objetivo principal era impedir o aparecimento de doenças e prolongar a expectativa de vida. A preocupação de JK com Saúde Pública[24], embora existisse, não o levou a promover profundas transformações no âmbito desta política. Apenas procurou desenvolver medidas de combate e extinção de algumas doenças, já que “Depositava grande fé nos planos internacionais a erradicá-las” (VIEIRA, 1985, p. 115).
No que se refere a Previdência Social, conforme Couto (2006), esta mantinha relação direta com a Assistência Social e a Habitação Popular. Por meio da aprovação da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS)[25] em 1960, as CAPs e os IAPs foram unificados e garantidos a universalização, em termos de benefícios, de todos os trabalhadores urbanos que se inseriam no mercado formal de trabalho.
Em 1956, segundo Vieira (1985), no tocante a Assistência Social, JK salientou a atuação do Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS)[26], que tinha como principal finalidade melhorar as condições de subsistência da família operária.
O Presidente da República chamava a atenção para o crescimento do SAPS, pois passou de 301 Postos de Subsistência (em 1956) para 451 (em fins de 1957). Ao se encarar o ano de 1957, o SAPS possuía ainda 20 delegacias regionais, 18 agências locais, 39 armazéns distribuidores, 30 restaurantes, 20 auto-serviços, 2 escolas de visitadores de alimentação e 1 granja (VIEIRA, 1985, p. 120-121).
Outro projeto que Juscelino deu continuidade durante seu governo foi o “abono familiar”. Este, foi criado em 1941 no governo de Vargas, destinava-se às famílias numerosas. Não era necessário, para se ter acesso, contribuição por parte do beneficiário. No que se refere a área da Habitação Popular, JK também manteve a continuidade de um projeto já existente desde 1946, que segundo Vieira (1985), se relacionava em partes com a Previdência Social. Ocorreu uma complementação a ação da Fundação da Casa Popular que se destinava “[...] a construir moradias a todos os carentes da habitação, independentemente de serem ou não beneficiários de qualquer Instituto ou Caixa de Aposentadorias e Pensão” (VIEIRA, 1985, p. 121). Assim, durante seu governo, a Fundação da Casa Popular entregou à população carente até 1958, o total de 11.831 moradias em diversas localidades de 18 Estados. Ainda no processo de construção de Brasília, a Fundação também iniciara a construção de 1.000 residências. É importante salientar que durante este processo, se faz necessário também questionar sob que condições estavam a construção dessas moradias, pois
No ano de 1960, 79% das habitações não possuíam água encanada em todo território nacional. Igualmente, no País inteiro 61% não alcançara a dádiva de ter instalações elétricas e, mais ainda, 49% não chegara a obter sequer instalações sanitárias. Na capital da República (Rio de Janeiro), em setembro de 1960 existiam 337.412 pessoas faveladas. [...] Os favelados cresceram 99,3% no Rio de Janeiro durante a década de 1950, enquanto o restante dos habitantes da cidade aumentaram somente de 35%. (VIEIRA, 1985, p.126).
Diante destas formas de enfrentamento no tocante aos fenômenos sociais implementadas por JK, de acordo com Couto (2006), o governo desenvolvimentista não teve como preocupação central as expressões da questão social. Não investiu em novos programas, somente implementou os já existentes, “[...] pois seu Plano de Metas apenas se referia à formação profissional como meta social a ser atingida, o que mostra que a preocupação se concentrava na área econômica” (COUTO, 2006, p.110).

5 DITADURA MILITAR (1964-1985)
De acordo com o Arquivo Nacional (2012), nas eleições de 1960, Jânio Quadros foi eleito presidente e o primeiro Chefe de Estado a tomar posse em Brasília em 31 de janeiro de 1961. Uma das principais realizações de seu governo foi a elaboração de um programa anti-inflacionário. Este visava a reforma do sistema cambial por meio da redução de subsídios as importações e desvalorização do cruzeiro. Procurava com este plano incentivar as exportações e renegociar a dívida externa, porém foi incapaz de conduzir uma administração que conciliasse os interesses da esquerda e da direita. Como uma das principais expressões da questão social, este plano rebateu sob a população, pois implicou no aumento do preço do pão e dos transportes. Por motivos de forças políticas contrárias as suas decisões governamentais, Jânio Quadros renunciou ao cargo de Presidente em 25 de agosto de 1961. João Goulart, vice-presidente da República, nesta ocasião estava em viagem à China, fato que levou os militares a associarem Jango como representante das ideias comunistas. Neste sentido, tais militares, tentando impedir sua posse instauraram o regime parlamentarista, donde Pascoal Ranieri Mazzilli, Presidente da Câmara dos Deputados, assumiu o poder até 7 de setembro de 1961.
Assumindo a Presidência a partir de então, João Goulart, segundo Santos (2012), caracterizou-se por um governo progressista, pois defendia as reformas de base. Além disso, foi um período marcado pela intensificação das lutas sociais. Em janeiro de 1963, o regime presidencialista volta a predominar no país a parir da realização de um plebiscito popular. No mesmo ano, também aprovou a Previdência Social para os trabalhadores rurais. Por reatar relações diplomáticas com a URSS, despertou a oposição dos setores militares que temiam a instalação do comunismo no país. Em 19 de março de 1964, realizou-se a Marcha da Família com Deus pela Liberdade com o objetivo de protestar contra o governo de Jango e suas alianças socialistas. Em 31 de março, segundo o Arquivo Nacional (2012), iniciou-se a movimentação de tropas em direção ao Rio de Janeiro que resultou, no dia 1º de abril, no golpe militar que destituiu João Goulart.

5.1 Contexto econômico e político da Ditadura Militar
Após o Golpe, assume o poder Marechal Castelo Branco, decretando em 9 de abril de 1964 o Ato Institucional nº 1 (AI-1). Segundo Santos (2012), a ditadura militar no Brasil foi articulada pelos Estados Unidos com o objetivo de impedir a instalação do comunismo no país e conquistar um aliado em seu projeto societário. Esta medida resultou no rompimento das relações com Cuba e aproximação com os Estados Unidos para obter apoio político, econômico e militar. O Golpe também representou duas importantes tendências que caracterizaram a sociedade brasileira a partir de então: “[...] o exército se afirma [...] como árbitro da política nacional [...] e os militares pareciam unidos contra o populismo e dispostos a exercer, eles mesmos, o poder” (SANTOS, 2012, p. 86).
Conforme Barbeiro (1984), durante seu governo ocorreram inúmeras cassações e suspensões dos direitos políticos, tendo como principais motivos evitar casos de subversão contra a ordem. Foi um período marcado pela repressão e autoritarismo. Uma de suas principais realizações no campo econômico foi o lançamento do Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG) que visava o combate à inflação e a retomada do crescimento econômico. Em 1964, foi aprovado uma emenda constitucional que prorrogou o mandato de Castelo Branco até 15 de março de 1967. Uma das suas principais medidas neste período foi a extinção, em 1965, de todos os partidos políticos e a instauração do bipartidarismo: de um lado encontrava-se Aliança Renovadora Nacional (ARENA) que defendia a direita e de outro o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), principal partido de oposição. Além disso, em 27 de outubro de 1965 foi promulgado o AI-2 que, segundo o Arquivo Nacional (2012), instituiu as eleições indiretas para presidência e vice-presidência da República. Em 5 de fevereiro de 1966 foi lançado o AI-3 e em 7 de dezembro do mesmo ano o AI-4 “[...] que convocava o Congresso Nacional para votar a nova Constituição, promulgada em 24 de janeiro de 1967” (ARQUIVO NACIONAL, 2012, p. 42).
Artur da Costa e Silva foi eleito Presidente pelas eleições indiretas de 3 de outubro de 1966, assumindo o cargo em 15 de março de 1967. Constituiu-se num momento, conforme o Arquivo Nacional (2012), em que se intensificou o movimento de oposição à ditadura militar e como resposta o governo promulgou o AI-5, principal instrumento repressor e de censura do Estado, vigorando até 1978. Na esfera econômica, “[...] entre 1968 e 1969, com a continuação da política econômica iniciada por Castelo Branco, a economia dá sinais de recuperação, dando início ao ‘milagre econômico’” (SANTOS, 2012, p. 89). Este fenômeno caracterizou-se pela grande expansão industrial combinada com a facilidade de crédito, política salarial contencionista e controle da inflação que perdurou até 1973. Por motivos de saúde, Costa e Silva foi afastado do cargo em agosto de 1969, assumindo o poder a Junta Militar. Esta permaneceu no comando até a realização de novas eleições que aconteceram no mesmo ano, quando assume Emílio Garrastazu Médici em outubro de 1969.
Conforme Barbeiro (1984), uma de suas principais realizações no campo econômico foi a criação do Plano de Integração Nacional (PIN) que visava construir rodovias nacionais como a Transamazônica, Cuiabá-Santarém e Manaus-Porto Velho. Em 1970, de acordo com o Arquivo Nacional (2012), o Brasil recebeu do BID o maior empréstimo concedido a uma país da América Latina. Em 1972, realizou ainda dois principais acordos, a saber: um com a Bolívia para construção de um gasoduto e outro com o Paraguai para construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu.
Ernesto Geisel assumiu a Presidência por via de eleições indiretas em maço de 1974, período que se observou o início da decadência do “milagre econômico”. Segundo o Arquivo Nacional (2012), pelo processo de estagnação do desenvolvimento industrial verificado nas três últimas décadas gloriosas, iniciou-se a distensão lenta, gradual e segura para a retomada de um sistema democrático. Neste governo foi extinto o AI-5 e verifica-se a rearticulação dos movimentos de oposição aos regimes. Em relação aos aspectos econômicos, Geisel imprimiu uma nova direção a política externa brasileira: substituiu o alinhamento com os Estados Unidos e estabeleceu relações comerciais com África, Ásia e Europa. Entre suas principais realizações estavam a criação II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) que privilegiava investimentos no setor energético e industrias básicas e o Programa Nacional do Álcool (Proálcool). Com a crise internacional do Petróleo uma das medidas adotadas foi o estabelecimento de contratos entre Petrobrás e empresas estrangeiras. No final de seu governo, os principais problemas encontrados se referiram ao aumento da inflação e da dívida externa.
Em março de 1979, assume a Presidência o General João Batista de Oliveira Figueiredo. Segundo o Arquivo Nacional (2012), em agosto de 1979 foi aprovada a Lei de Anistia que garantiu o retorno dos exilados. Extinguiu o bipartidarismo dando lugar ao pluripartidarismo, momento em que surgiu o Partido dos Trabalhadores (PT) como uma das grandes organizações em oposição à ditadura. A partir da década de 1980, verificaram-se inúmeros episódios de atentados a bomba. Estes fatos evidenciavam a insustentabilidade do regime. Em relação à política econômica também se observou um esgotamento do modelo administrado pelos militares, visto que a Crise do Petróleo implicou na elevação dos juros no mercado internacional.
“Em 1981, o aumento da dívida externa, que girava em torno de 61 bilhões de dólares, associada ao crescimento negativo do PIB e os autos índices inflacionários geraram o fenômeno denominado [...] estagflação, ou seja, estagnação das atividades econômicas e produtivas aliada à inflação dos preços” (ARQUIVO NACIONAL, 2012, p. 49).
Em 1982, segundo o Arquivo Nacional (2012), criou-se o Finsocial, o qual destinava 0,5% da renda das empresas aos programas prioritários do governo, sendo administrados pelo BNDE, que mais tarde foi transformado em Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Com o objetivo de estabelecer relações comerciais com países que oferecessem vantagens para o desenvolvimento nacional, o Brasil aproximou-se da Argentina, criando, em 1980 uma comissão bilateral para avaliar ações de interesses futuros para os dois países. De acordo com Santos (2012), entre 1981-83, verifica-se os efeitos de recessão do “milagre econômico”: elevada dívida externa e inflação de 223%. Tal situação levou o país a recorrer a ajuda do FMI.
Em 1982, conforme Couto (2006), a defesa de eleições diretas para presidente, além de evidenciar o descontentamento com a ditadura militar e suas consequências econômicas, fizeram surgir a organização do movimento conhecido como “Diretas Já!”, a partir da Emenda “Dante de Oliveira”[27]. A resposta a este movimento foi uma medida discriminatória e repressiva por parte do governo militar que garantiu a vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral a partir de votos indiretos do legislativo e o fracasso da emenda no Congresso Nacional. O movimento, portanto, alcançou suas idealizações de eleições diretas somente com o processo eleitoral de 1989.

5.2 Contexto social, demandas da classe trabalhadora e respostas políticas no período da Ditadura Militar
O governo de Castelo Branco (1964-1967), conforme o Arquivo Nacional (2012), caracterizou-se no campo social pela implementação, em 1964, do Banco Nacional de Habitação (BNH) que promoveu a construção de moradias para as classes necessitadas. Em setembro de 1966, também instituiu o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) que garantiu uma maior segurança ao trabalhador no emprego. Em novembro do mesmo ano, como consequência da LOPS, criada em 1960, foi criado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), cujo resultado foi a união de todos os Institutos de Aposentadorias e Pensões. Outro feito foi a aprovação da Constituição de 1967. Conforme Barbeiro (1984), esta estabeleceu a eleição indireta para presidente e vice-presidente da República com duração de 4 anos, tendo direito a voto apenas o Colégio Eleitoral. “Pode o Presidente propor leis [...] além de poder baixar decretos com força de lei, em casos de urgência [...] sobre segurança nacional e finanças” (BARVEIRO, 1984, p. 261).  No tocante a educação, segundo Vieira (1985), exaltou a universalização do ensino primário, obrigatório e gratuito, e criticou o analfabetismo. Propôs o fim da diferenciação entre estudos acadêmicos e tecnológicos. Também foi criado o Sistema Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor e/ou Fundações Estaduais (FUNABEM/FEBEMS), segundo Couto (2006), que se destinava ao “tratamento” de crianças e adolescentes infratores pobres do país a partir de técnicas repressivas e de adestramento para garantir a segurança nacional. Na saúde, assegurou a luta contra as epidemias por meio de obras se saneamento. Criou um Serviço Especial de Saúde Pública que também estendeu o saneamento básico para o interior do país e estabeleceu o Plano Nacional de Saúde. Buscou ainda sanar as carências no âmbito da Habitação Popular através de um projeto financiado pelo Banco Nacional da Habitação (BNH).
Ao assumir o poder em março de 1967, Costa e Silva enfrentou grandes movimentos de esquerda. Segundo o Arquivo Nacional (2012), foi neste período que se realizou o VI Congresso do Partido Comunista Brasileiro, donde se fortaleceu os movimentos contrários ao regime. Em 1968, conforme Santos (2012), intensificou-se o movimento denominado de Frente Ampla que se traduziu por meio das graves operárias, protestos nos centros urbanos e o movimento estudantil, representado principalmente pela União Nacional do Estudantes (UNE)[28]. Em contrapartida, com o objetivo de controlar tal movimento, sancionou-se o AI-5 em 13 de dezembro de 1968. Este foi a maior expressão do regime ditatorial, dando poder aos governantes de punir arbitrariamente todos aqueles que se colocassem contra a ditadura. Além disso, ordenou “[...] o fechamento do Legislativo pelo presidente da República, a suspensão dos direitos políticos e garantias constitucionais [...] a demissão e aposentadoria de funcionários públicos” (ARQUIVO NACIONAL, 2012, p. 43).
Em 1967, foi criado o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL). Segundo Netto (2011), este movimento consistiu na alfabetização e letramento de jovens e adultos acima da idade escolar convencional. Atuou de forma mais ativa a partir da década de 70, pois foi neste ano que se legitimaram suas fontes de financiamento. Em 1968, realizou também a Reforma Universitária, que reorganizou a administração e os cursos superiores e transformou o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) em Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Conforme Vieira (1985), na área da saúde promoveu programas de prevenção e recuperação da saúde através da modernização dos hospitais. No tocante à Habitação Popular além do BNH, a Caixa Econômica Federal também se colocou como nova fonte de financiamento.
O governo de Médici, de acordo com Barbeiro (1984), criou na área social, em 1970, o Programa de Integração Social (PIS) que instalava a obrigatoriedade da contribuição de parte do importo de renda ou faturamento das empresas privadas na constituição de um fundo para os trabalhadores. Ao mesmo tempo em que se garantiu estes direitos, também se intensificou a repressão política, a censura aos meios de comunicação e o aumento de denúncias de tortura aos presos políticos. Conforme o Arquivo Nacional (2012), a criação da Operação Bandeirantes (OBAN), em São Paulo que mais tarde passou a se chamar Comando de Operações Interna (CODI), cuja coordenava as atividades dos Departamentos de Operações e Informações (DOIs) foram respostas diretas do governo militar a intensificação do movimento esquerdista que adquiriu, neste contexto, um caráter mais violento e armado. As principais expressões da questão social, portanto, se traduziam por meio do agravamento da guerrilha urbana, com assaltos aos bancos e sequestro de aviões e de diplomatas estrangeiros. Verificou-se também, a prisão, exílio e morte dos principais líderes dos movimentos de esquerda. Segundo Santos (2012), observa-se além da intensificação da questão social, o declínio do “milagre econômico”, em 1973, que outrora garantiu a legitimidade do regime por meio do apoio do capital estrangeiro.
Segundo Vieira (1985), Médici lançou sua atenção para a “legião de iletrados” – analfabetos –, pois acreditava que a escola era o caminho para a ascensão social. Além disso, vangloriava a Reforma Universitária realizada. Em relação à Habitação Popular, promoveu “um fundo especial para atender as famílias de renda inferior”, pois entendia que os sistemas de financiamentos inaugurados pelos governos anteriores não satisfaziam as necessidades da massa popular.
No governo Geisel, conforme Santos (2012), intensificaram-se as organizações dos sindicatos rurais e os movimentos de oposição operária ao regime militar que se traduziram pelo início das greves do ABC paulista em 1978-79. No tocante a educação, interessou-se no “[...] treinamento profissional, o crescimento das matrículas, o aperfeiçoamento da qualidade do ensino e estímulo aos cursos de pós-graduação” (VIEIRA, 1985, p. 213). As Reformas Educacionais implementadas também caracterizaram como reflexo da política econômica, já que esta estava aberta aos investimentos estrangeiros. Na área habitacional continuou a privilegiar programas que se voltassem as populações de níveis mais baixos de renda e promoveu medidas para reduzir os encargos financeiros na obtenção da casa própria por essas populações. Segundo Couto (2006), em 1974 foi criado o Ministério da Previdência e Assistência Social e a Renda Mensal Vitalícia que se constituía num benefício previdenciário aos idosos acima de 70 anos de idade. Em 1979 também foi instituído o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SNPAS).
Assumindo o poder em 1979, Figueiredo enfrentou um momento de transição democrática. De acordo com o Arquivo Nacional (2012), foi um período marcado pela intensificação dos movimentos grevistas das categorias profissionais, entre elas os metalúrgicos do ABC paulista. Esta paralisação, intensificada na década de 1980, resultou em demissões, fortes conflitos entre a política, exército e trabalhadores, fortalecimento dos sindicatos e na prisão dos organizadores do movimento. Conforme Santos (2012), o movimento sindical adquire força e se beneficia por meio de duas principais centrais sindicais, a saber: a Central Única dos Trabalhadores (CUT), criada em 1983 e o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), criado em 1962 e intensificado na década de 1980. Em 1981, antes da criação da CUT, também foi realizada a I Conferência Nacional dos Trabalhadores (CONCLAT).
Diante das medidas tomadas pelos presidentes militares, pode-se apontar que as principais expressões da questão social no período da ditadura militar consistiam: a falta de liberdade, o arbítrio, a censura, dificuldades para o exercício da crítica, a inflação e consequente elevação do custo de vida, as repressões contra aqueles que criticavam a ordem, o desemprego, a alta taxa de analfabetismo que persistia desde a Era Vargas e a insuficiência de programas voltados à saúde.
Segundo Viera (1985), as formas de enfrentamento frente a estas expressões da questão social, embora tenha sido implementados novos programas, continuaram a reproduzir as mesmas tendências da política econômica. Isto é, caracterizaram-se por seu caráter tecnocrático e de atendimento focal e pontual. As políticas sociais do período visavam assegurar uma política de controle com o objetivo de manter a população enquadrada nos moldes do regime militar.

6 PÓS-DITADURA: TANCREDO NEVES E JOSÉ SARNEY
Antes de chegar ao poder, Tancredo Neves, por motivos de saúde foi internado e faleceu na véspera de assumir a presidência. José Sarney, vice-presidente, assumiu em seu lugar a sucessão do cargo em 15 de março de 1985. Este período, segundo Santos (2012), consolidou o processo conhecido como “transição democrática”.
Conforme o Arquivo Nacional (2012), o governo de Sarney enfrentou duas grandes tarefas que se caracterizavam como demandas do país, a saber: o combate a crise inflacionária que se acentuava desde o governo JK e a reconstrução da democracia expressa pela Nova Constituição. No tocante aos aspectos econômicos, de acordo com Costa (2006), seu governo retomou as negociações com o FMI e desviou grande parte dos recursos financeiros para o pagamento dos juros da dívida externa, deixando em defasagem o quadro social brasileiro. Lançou também quatro planos econômicos com o objetivo de controlar a inflação, lançando entre anos de 1985-89, o Plano Cruzado I[29] e II, Bresser e Verão que tiveram como finalidade comum combater os elevados índices da inflação, adotando medidas como:
[...] prática de congelamento dos preços e regras de reposição, o que acarretou perdas reais de salários. As dificuldades da política econômica e o descontrole da inflação levaram ao fortalecimento das idéias liberais, que propunham diminuir o estado e fazer ajustes fiscais e corte de gastos públicos (COSTA, 2006, p. 145).
Tais planos, segundo o Arquivo Nacional (2012), não conseguiram solucionar o problema da crise inflacionária, ao contrário, a inflação que, no ano de 1988, girava em torno de 1.000% aumentou para 1.764% no ano seguinte. A década de 1980, portanto, ao se caracterizar por uma série de planos fracassados foi chamada por muito, do ponto de vista econômico, de “década perdida”. Em meio a esta crise fiscal e econômica do Estado brasileiro, em fevereiro de 1987, instalou-se também a Assembleia Nacional Constituinte sob a liderança do deputado Ulisses Guimarães para início das atividades da elaboração da nova Constituição. Esta foi promulgada em 5 de outubro de 1988, caracterizando-se pelo estabelecimento de eleições diretas para presidente e regime presidencialista, além da extensão do voto facultativo aos analfabetos, maiores de 16 e 70 anos de idade, garantindo direitos civis, sociais e trabalhistas a toda a população. Ainda conforme Costa (2006), estabeleceu o racismo e a tortura como crimes inafiançáveis, assegurou a inclusão das principais conquistas trabalhistas desde a CLT e fixou jornada de trabalho de 44 horas semanais, direito de greve e adicional de 1/3 do salário nas férias. A Constituição de 1988 se constituiu, pois, como a mais democrática da história do Brasil. De acordo com Behring e Boschetti (2011), instituiu a licença maternidade de 120 dias, abrangendo os trabalhadores rurais e empregadas domésticas, a pensão para maridos e companheiros e a redução do limite de idade para acesso a aposentadoria. “Nesse período também teve destaque a intervenção dos movimentos sociais em defesa dos direitos de crianças e adolescentes que, inscreveram a perspectiva da criança como prioridade absoluta e a inimputabilidade penal abaixo dos 18 anos” (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 145)
Em 1989, se acordo com Couto (2006), em relação aos aspectos políticos, foi realizado o chamado Consenso de Washington nos Estados Unidos que consistiu num acordo internacional firmado com diversos organismos, como o Banco Mundial e o FMI. O Brasil, sendo um dos países signatários deste acordo, incorporou as dez medidas elencadas pelo Consenso, as quais eram inspiradas pelo receituário neoliberal e tinham como objetivo orientar os países a redução de investimentos em garantias sociais. As orientações do Consenso a serem seguidas pelos países membros também se traduziam por meio da “[...] indicação para desestruturação dos sistemas de proteção social vinculadas às estruturas estatais e [...] orientação para que os mesmos passassem a ser gestados pela iniciativa privada” (COUTO, 2006, p. 145). Diante deste contexto, pode-se verificar um movimento contrário no interior da sociedade brasileira: a introdução do receituário neoliberal e sua ofensiva contra as garantias sociais iam na contramão dos princípios e direitos legitimados pela Constituição de 1988. Numa palavra: o clima democrático inaugurado pela nova Constituinte convivia com a constante ameaça neoliberal de cortes e ajustes do quadro social.
Diante dos aspectos econômicos e políticos do governo Sarney, pode-se apontar como principais expressões da questão social o elevado custo de vida, a constante oscilação dos preços devido à crise inflacionária, a acentuada concentração de renda, expansão da pobreza, ausência da reforma agrária, desemprego e violência. Para enfrentar estas manifestações, Sarney com seu slogan “Tudo Pelo Social”, segundo Costa (2006), criou, em 1987, o Programa Nacional do Leite, popularmente conhecido como “Leite do Sarney”. Este consistia na distribuição do produto para crianças em situação de pobreza. Verifica-se, no entanto, a incapacidade do governo de lançar programas de distribuição de renda e ações voltadas a mudanças estruturais na concentração de riqueza, acentuada neste período. Em relação a questão fundiária, Sarney não promoveu mudanças substantivas. Por este motivo, a grande organização que se articulou neste momento pela luta da reforma agrária foi o Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST). De acordo com Lamounier (1991), criou o Vale Transporte em 1985 e o Seguro Desemprego em 1986. No mesmo ano fundou a Lei Sarney de Incentivo à Cultura e o Ministério da Cultura. Foi também realizado, a VIII Conferência Nacional de Saúde, donde elaborou uma proposta de criação do Sistema Único e Decentralizado de Saúde (SUDS). Em 1987, criou o Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI) que possibilitou acesso a todas as despesas do poder público.
Diante destas formas de enfrentamento da questão social e dos programas lançados por Sarney, pode-se evidenciar que estes constituíram-se como medidas de caráter compensatório, pontual e fragmentada. De acordo com Couto (2006), este governo assentou-se numa péssima distribuição de renda e apesar de seu discurso oficial buscar romper com o clientelismo e com o paternalismo, caracterizou-se por ser insuficiente em relação as propostas de melhoria de qualidade de condições de vida da população. A promulgação da Nova Constituição de 1988, como resultado deste governo, expressou um cenário de democratização brasileira, marcado por “Um Estado sugado pelo pagamento de juros da dívida externa e uma sociedade sem um projeto nacional definido e pactuado entre as diferentes classes e setores sociais” (COSTA, 2006, p. 144).

7 FERNANDO COLLOR DE MELO E ITAMAR FRANCO
Segundo Costa (2006), a eleição de 1989 substituiu José Sarney por Fernando Collor de Melo no cargo presidencial. Esta constituiu-se na primeira eleição direta depois de quase três décadas de suspensão do processo eleitoral democrático. Seu governo colocou em movimento o processo da ofensiva neoliberal na lógica do Estado e durou apenas dois anos, por ter sofrido um processo impeachment, quando foi substituído por seu vice-presidente Itamar Franco que permaneceu no poder até 1995 com a realização de nova eleição.
7.1 Contexto econômico e político do período de Collor e Itamar
Fernando Collor, assumiu a presidência, de acordo com Costa (2006), afirmando um projeto de Estado Social Democrata, no entanto suas propostas inspiraram-se em ações de cunho neoliberal. Elegeu-se por meio de um discurso da modernidade e da busca pelo equilíbrio social. Além disso, ficou conhecido como o “caçador de marajás”, isto é, o grande oposicionista dos políticos e servidores públicos que recebiam salários altíssimos. Apresentou-se também como o presidente que iria cuidar das camadas mais pobres, estes denominados de “descamisados”. Sob a bandeira de cortar gastos públicos e atacar as empresas estatais, Collor empunhou um projeto político de Estado neoliberal e estava disposto a adequar o país a conjuntura mundial. Seu governo também se caracterizou pela abertura comercial irrestrita aos países centrais.
Em relação aos aspectos econômicos, Collor continuou a enfrentar a crise inflacionária intensificada pelo governo de Sarney. Lançou assim, em 1990, o Plano Collor I que, segundo o Arquivo Nacional (2012), confiscou as contas de poupanças e congelou preços e salários. Além disso, seu programa de governo estabeleceu a extinção de órgãos públicos e a privatização de empresas estatais. O Plano Collor I mostrou-se ineficiente no equilíbrio da política econômica e por este motivo o governo se viu obrigada a lançar, em janeiro de 1991, o Plano Collor II. “Intensificou-se, então, a política de juros altos, a desindexação da economia, a abertura para o mercado externo e o incentivo às importações” (ARQUIVO NACIONAL, 2012, p. 53). Tais medidas implementaram a ideia de um Estado Mínimo, pois vinculadas ao contexto neoliberal asseguraram a crescente automação do setor industrial e bancário em detrimento do desenvolvimento de garantias sociais mais efetivas. Na tentativa de solucionar o fracasso do Plano anterior, o Plano Collor II acabou por seguir o mesmo destino, pois, segundo Antunes (2005), empobreceu ainda mais o país, achatando os salários, aumentando a inflação e desarticulando o parque produtivo. De acordo com Costa (2006), Collor lançou também o Programa Nacional de Desestatização (PND), o qual foi responsável pela privatização de empresas estatais, extinção de órgãos e empresas públicas, provocando a demissão em massa dos funcionários.
Em relação aos aspectos políticos, de acordo com Pereira (2006), como resultado de um acordo bilateral entre Brasil e Argentina realizado em 1986, resultou na criação do MERCOSUL (Mercado Comum do Cone Sul) em 1991. Dentre as principais características de sua governabilidade, segundo Couto (2006), apresentam-se: o impulso da privatização de empresas nacionais; abertura da economia aos capitais estrangeiras; retorno da crise inflacionária e enxugamento dos gastos públicos na área social. Em suma:
O seu sentido essencial [...] é dar um novo salto para a modernidade capitalista. Um “neojuscelinismo” mesclado com o ideário do pós-1964, contextualizado para os anos de 1990. É o acentuar do modelo produtor para exportação, competitivo ante as economias avançadas o que supõe a franquia da nossa produção aos capitais monopólicos externos. Tudo em clara integração com o ideário neoliberal (ANTUNES, 2005, p. 9).
Segundo Costa (2006), a partir de denúncias e suspeitas de corrupção do governo, instalou-se, em 1992, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as acusações contra Collor. Neste período, verificou-se o surgimento do movimento conhecido como “caras-pintadas” que se caracterizou por um grande protesto que reuniu jovens estudantes na luta pelo impeachment do presidente e suas medidas econômicas impopulares. No processo de averiguação do impeachment, Collor é afastado do cargo em 1992 até a conclusão dos trabalhos. Antes do resultado do processo, Fernando Collor[30] renúncia, sendo substituído por seu vice Itamar Franco.
Assumindo a presidência em outubro de 1992, segundo Arquivo Nacional (2012), Itamar Franco realizou um plebiscito para escolher a forma de governo no Brasil. Como resultado desta votação, a opinião popular optou, em sua maioria, pela permanência do regime republicano e regime presidencialista.
Em relação aos aspectos econômicos de seu governo, conforme o Arquivo Nacional (2012), Itamar nomeou Fernando Henrique Cardoso (FHC) como Ministro da Relações Exteriores para assumir o Ministério da Fazenda. Ainda em seu governo, colocava-se a difícil tarefa de combater a crise inflacionária e o déficit público. Acreditava-se que esta crise só poderia ser combatida por meio de uma reforma de Estado, a qual deveria incluir o enxugamento dos gastos públicos e o aumento do processo de privatizações. Em fevereiro de 1994, procurando superar tais deficiências, foi lançado o Plano Real sob a coordenação de FHC, com o objetivo de preparar a economia para circulação de uma nova moeda – o Real. Entre suas principais medidas estavam:
[...] estabilidade de preços, incorporando alternativas de crescimento do mercado, bem como investimentos e avanços tecnológicos setorizados; modernização como redefinição da estrutura produtiva nacional, tendo como referência as novas tecnologias disponíveis no mercado internacional; integração econômica no cenário globalizado; e, por fim, desregulamentação do setor produtivo público, redefinindo seu papel como administrador de políticas macroeconômicas e de produção de bens sociais e de políticas sociais compensatórias (COUTO, 2006, p. 147).
Para a operacionalização destas medidas, de acordo com o Arquivo Nacional (2012), foi aprovado o Fundo Social de Emergência (FSE), o qual possibilitou a esfera federal o poder de decisão sobre os recursos transferidos para os Estados e Municípios. O Real entrou em circulação em julho de 1994, promovendo a queda da inflação e verificando-se um grande aumento dos consumos. As medidas do governo Itamar, por também se inscreverem sob a ótica da ofensiva neoliberal, foi responsável por privatizar diversas empresas estatais, como a Companhia Siderúrgica Nacional, a Açominas, a Cosipa e as subsidiárias da Petrobrás.
Em relação aos aspectos políticos, segundo Antunes (2005), o governo Itamar caracterizou-se por entender o crescimento econômico a partir do processo de privatizações e redução dos gastos públicos. O contexto internacional, sendo inteiramente marcado por profundas mudanças tecnológicas e produtivas expressas na reconfiguração da divisão internacional do trabalho, impõe a realidade brasileira a adoção de um projeto de globalização estruturado pela lógica do capital. Este projeto, como bem salientado, não propõe mudanças estruturais na forma do Estado se relacionar com a questão social, apenas implanta medidas reformistas e modernizadoras para os proprietários do capital.

7.2 Contexto social, demandas da classe trabalhadora e respostas políticas do período de Collor e Itamar
Collor assumiu a presidência num momento em que, de acordo com Costa (2006), a Constituição Federal de 1988 inaugurou o reconhecimento da democracia no país. A principal função de seu governo e de seu sucessor foi a de regulamentar parte substancial de seus artigos com vista a promover a reforma do Estado neoliberal. As principais expressões da questão social em seu governo, invadido pelo receituário neoliberal, podem ser identificadas por meio do desemprego, elevados índices de custo de vida, arrocho salarial, congelamento dos preços e salários e confisco da poupança, deixando a população usuária dos serviços bancários a mercê da própria sorte.
Conforme Pereira (2006), em relação ao contexto social, o governo Collor atacou diretamente o sistema de proteção social, provocando seu desmonte sobretudo no que se refere a seguridade social.
[...] o governo reiterou a tentativa da administração passada de desvincular os benefícios previdenciários e da Assistência Social do valor do salário mínimo; relutou em aprovar os planos de benefícios e a organização do custeio da seguridade social; vetou integralmente o projeto de lei que regulamentava a assistência social; e represou, por vários meses a concessão de benefícios previdenciários (PEREIRA, 2006, p. 163).
De acordo com Sposati (2004), dentre os projetos vetados, em 1990, estava a aprovação da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), destinada a regulamentar a política de assistência preconizada pela Constituição em 1988. A justificativa para tal veto era a de que a LOAS não estava vinculada a uma assistência social responsável. Segundo Behring e Boschetti (2011), no campo da saúde, foi fundado o Sistema Único de Saúde (SUS), no qual o SUDS foi integrado por meio da aprovada a Lei Orgânica de Saúde (LOS). Embora o governo Collor tenha implementado avanços em relação a esta política, não deixou de atacá-la na medida em que reduziu recursos para seu desenvolvimento, apoiando a iniciativa privada na promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde. Segundo Costa (2006), além do desmantelamento da saúde pública, Collor também negligenciou a área da educação pública e as universidades federais, deixando de investir também na política de habitação. No tocante a área da criança e do adolescente, como resultado dos movimentos em defesa destes segmentos já iniciados no governo Sarney, a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990 veio atender as demandas destes movimentos e a consolidar os direitos das crianças e dos adolescentes, entendendo-as como prioridade absoluta. “A partir deste conjunto de fatores, o setor público ganhou a antipatia dos setores populares. A idéia da eficiência do setor privado, visto por meio da lente míope que desconsidera a história recente do país, foi a bandeira do governo Collor” (COSTA, 2006, p. 150).
Segundo Couto (2006), seu governo também não apresentou grandes mudanças no trato da questão social, pois seus programas sociais tinham um caráter populista, clientelista e assistencialista “[...] tornando ainda mais miseráveis o enorme contingente de assalariados que vivem a brutalização mais aguda de sua história republicana” (ANTUNES, 2005, p. 12).
Após o impeachment de Collor, Itamar Franco garante a continuidade do projeto neoliberal em curso. De acordo com Couto (2006), as políticas sociais deste período permaneceram em constante contradição com o caráter universalista e de direito social preconizado pela Constituição de 1988, visto que tais políticas ainda continuavam a inserirem-se no campo da solidariedade social.
Dentre as principais medidas de seu governo, conforme Couto (2006), inseriu-se a aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) em 1993, outrora vetada pelo presidente Collor. Sua aprovação foi condicionada pela pressão de movimentos da sociedade civil, organismos de classe, além da ameaça do Ministério Público em processar a União caso não houvesse nenhuma resposta as demandas apresentadas no campo da política de assistência social.
Em relação as formas de enfrentamento das expressões da questão social, foi lançado, em 1993, o Plano de Combate à Fome e à Miséria Pela Vida que contava, segundo Couto (2006), com a parceria entre Estado e Sociedade Civil. “[...] pautou-se por três princípios-chave: a solidariedade privada, a parceria entre Estado, mercado e sociedade e a descentralização da provisão social” (PEREIRA, 2006, p. 166). Apesar de suas pretensões, o plano não foi levado adiante, pois o governo não disponibilizou recursos suficientes para sua execução. Itamar, assim como seus antecessores, preocupou-se apenas em mobilizar a população para que esta se organizasse e assumisse a responsabilidade para com a solidariedade social. Observou-se, portanto, uma desresponsabilização e despolitização em torno da criação de programas sociais que passaram a intensificar suas características clientelistas e assistencialistas. Seu governo baseou-se, portanto, em poucas ações no sentido de legitimar os direitos sociais presentes na Constituição e findou-se na continuidade do projeto Collor. Em síntese:
[...] propõe crescimento da economia – como se ela fosse o antídoto essencial contra a miséria – mas intensifica a privatização; fala em combate à fome através de um assistencialismo estatal minguado, mas nem longinquamente toca no padrão de acumulação que gera uma sociabilidade atravessada pela pauperização absoluta. Nada sobre uma reorganização do sistema de produção e consumo, para começar a erradicar na raiz a miséria; superexploração daqueles assalariados que estão empregados; nada sobre transformação estruturais no mundo agrário; nada sobre tributação efetiva sobre os ganhos de capital; nada sobre uma mudança de curso, com o mínimo de ousadia na questão da dívida externa; nada sobre a preservação e o fortalecimento do capital produtivo estatal, imprescindível para que um país de Terceiro Mundo industrializado e intermediário, como o nosso, não desapareça de vez do mapa econômico. (ANTUNES, 2005, p. 22).

8 FERNANDO HENRIQUE CARDOSO: INTENSIFICAÇÃO DA INVASÃO NEOLIBERAL
Segundo Arquivo Nacional (2012), Fernando Henrique Cardoso, Ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, foi eleito presidente nas eleições de 3 de outubro de 1994, por via direta, em virtude de sua popularização na formulação e sucesso alcançado pelo Plano Real, bem como sob um discurso de promessas na área social.
O governo FHC caracterizou-se, sobretudo, pela intensificação e consolidação do receituário neoliberal no contexto brasileiro. De acordo com Costa (2006), esta lógica trouxe consigo a flexibilidade, cuja passou a representar a nova etapa da modernidade capitalista. A flexibilidade traduziu-se, em termos nacionais, no desenvolvimento de programas que buscavam a qualidade total na produção e consequente redução de custos, terceirização e informalização do trabalho. Numa palavra: a ofensiva neoliberal, iniciada no governo Collor, desmantelou os direitos da classe trabalhadora e fortaleceu a lógica privatista do Estado de direito.

8.1 Contexto econômico e político do governo FHC
Ao assumir o poder, Fernando Henrique Cardoso, de acordo com Arquivo Nacional (2012), em relação aos aspectos econômicos tinha duas principais pendências que deveriam ser administradas, a saber: garantir a manutenção da estabilidade da moeda e promover o crescimento econômico. Para atingir tais objetivos, o governo precisou submeter a aprovação no Congresso Nacional uma proposta de medidas provisórias para alteração de artigos da Constituição Federal de 1988. Alterando-a, FHC procurava promover uma Reforma de Estado com o objetivo de adaptá-lo a realidade econômica mundial. A medida provisória que deveria ser usada em caso de urgência e exceção, tornou-se uma ferramenta diária utilizada pelos governos pós-1988 para manter a sociedade civil distante das decisões governamentais.
“Assim, determinados temas passaram a fazer parte do cotidiano político nacional, tais como reforma administrativa e previdenciária, desregulamentação de mercados, flexibilização das regras de contratação de mão de obra e fim do monopólio estatal [...]” (ARQUIVO NACIONAL, 2012, p. 55). A reforma administrativa e previdenciária foram consideradas fundamentais para a redução dos gastos públicos e intensificação do avanço da ofensiva neoliberal no contexto brasileiro. As áreas de siderurgia, energia e telecomunicações foram as mais afetadas pelo processo de privatizações. Segundo Lesbaupin (1999), FHC vendeu primeiramente as empresas que davam lucro e posteriormente as que eram estratégicas. Com estas medidas implementou um processo conhecido, na particularidade brasileira, como “privatização selvagem”. Governando por meio de uma política neoliberal, submeteu o país a uma integração a economia globalizada, subordinando o Brasil aos ditames das regras dos mercados financeiros internacionais, ficando dependente das oscilações dos capitais externos. Em novembro de 1995, por meio de uma medida provisória, o governo ampliou os poderes do Banco Central, assegurando sua intervenção nas instituições bancárias a fim de evitar que uma crise que atingiu o setor ganhasse dimensões maiores. Para tal finalidade regulamentou o Programa de Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (PROER).
Ainda segundo Lesbaupin (1999), enquanto a economia brasileira recebia os investimentos internacionais, o governo FHC conseguiu manter a estabilidade interna nacional. No entanto, em 1997, com a explosão da crise asiática e, em 1998, com a crise russa, a economia do país foi duramente atingida. Para se reerguer, a solução encontrada foi a de se recorrer ao FMI, fato que piorou ainda mais as medidas recessivas impostas pelo Fundo. O resultado deste processo foi a elevação dos juros da dívida externa a serem pagos e a desnacionalização do parque industrial. Pode-se dizer, portanto, que o compromisso de FHC, passou a partir de então, a ser o de pagar as dívidas externas e os credores internacionais. Esta dívida histórica permanece presente no contexto atual, pois continua-se a colher suas sequelas.
Em relação aos aspectos políticos, de acordo com Lesbaupin (1999), o governo FHC materializou suas finalidades ideológicas a partir da aproximação do receituário neoliberal. Seja privatizando as empresas estatais, seja cortando os gastos da máquina pública, a política desenvolvida pelo governo assentou-se na abertura da econômica brasileira ao capital estrangeiro. As consequências deste processo, não se deram, necessariamente, no plano econômico, mas sim na arena social. A classe trabalhadora, exaurida pela precarização do trabalho advinda com a ofensiva neoliberal, encontrou e ainda encontra dificuldades de se libertar da lógica privatista e de destituição de direitos implementados por este processo. O Estado Mínimo e a primazia do mercado presentes na política de FHC consolidaram-se como as prioridades primeiras em seu plano de governo. Atender as demandas da classe trabalhadora e promover um Estado de Bem-Estar Social, pois, não se encontram entre as finalidades imediatas do período. 

8.2 Contexto social, demandas da classe trabalhadora e respostas políticas do governo FHC
O governo FHC, em seus aspectos sociais, segundo Antunes (2005), caracterizou-se por seu caráter de oposição ao sindicalismo combativo e reivindicativo. Procurou, a todo custo, defender o sindicalismo de empresa próprio do modelo toyotista, visto que ele era o que melhor atendia as demandas do capital. Num quadro crônico de desemprego, as reivindicações via sindicatos concentravam-se na contramão das medidas neoliberais implementadas por FHC. 
Assim, reduzir a inflação, conforme Lesbaupin (1999), era a principal meta do governo para corrigir a desigualdade social no país. Por este motivo, a prioridade de sua gestão não era o social, mas sim a estabilidade da moeda mediante a redução dos gastos públicos. Este fato acarretou em cortes sucessivos nas políticas sociais. Diante do contexto econômico e político do período, as principais expressões da questão social materializavam-se por meio de níveis de desemprego altíssimos, queda da renda salarial, precarização dos serviços públicos de saúde, educação, assistência, previdência e moradia, desmonte dos direitos trabalhistas, intenso processo de privatização e diversas reformas dos direitos sociais presentes na Constituição de 1988, encerrando seu governo com a taxa mais alta de desemprego da história do país e com a maior concentração de renda.
Para enfrentar estas manifestações, de acordo com Couto (2006), FHC elegeu-se empunhando uma campanha de prioridades de investimentos em cinco áreas principais, a saber: saúde, educação, emprego, agricultura e segurança. Com estas medidas, o governo poderia ter objetivado reformas sociais de bases estruturais, no entanto, privilegiou apenas a estabilidade econômica do país. Fernando Henrique também resgatou uma política baseada na troca de favores, fato que contradizia seu discurso eleitoral, este destinado a romper com o clientelismo e o patrimonialismo que historicamente caracterizou o percurso político brasileiro.
No campo social, uma de suas principais medidas, segundo Couto (2006), foi a criação do Programa Comunidade Solidária, em 1995, que procurava fortalecer as ações da sociedade civil, promovendo desenvolvimento social e estabelecendo a forma de atuação – mínima – do governo. Além disso, a Reforma Previdenciária implementada por FHC causou prejuízos para classe trabalhadora. Dentre suas principais medidas estavam:
[...] limitação da concessão de aposentadorias especiais; imposição de teto para o valor dos benefícios; alteração da fórmula de cálculo das aposentadorias por tempo de contribuição, que passa a tomar por base a média dos 80% maiores salários-de-contribuição, multiplicada pelo “fator previdenciário”, que varia de acordo com a idade, a expectativa de sobrevida e o tempo de contribuição do segurado na data da aposentadoria (ARAÚJO, 2009, p. 35).
De acordo com Lesbaupin (1999), o governo incluiu em sua Reforma Previdenciária, a transformação do antigo Instituto Nacional de Previdência Social em Instituto Nacional de Seguro Social. No tocante a Seguridade Social, a preocupação de FHC foi a de despolitiza-la. Sua operacionalização ficou condicionada a abordagens burocráticas, numéricas e organizacionais. Substituiu o vocabulário próprio do sistema de proteção social que se traduzia em integração e bem-estar por termos como eficiência, custo e capitalização que garantiram uma maior rentabilidade econômico social. Os serviços públicos, portanto, assistiram um processo de tecnificação, afastando-se cada vez mais dos mecanismos democráticos. “[...] o movimento pelo qual o Estado imprime caráter técnico a certas políticas que implementa [...]” (LESBAUPIN, 1999, p. 94), acaba por gerar decisões aparentemente neutras. Este processo ocasiona um próprio esvaziamento da Seguridade Social como concepção de política social.
No que se refere a educação, segundo Lesbaupin (1999), o governo FHC realizou cortes significativos em todos os níveis de ensino. A área que mais recebeu cortes foi a do “Ensino Supletivo”, verificando-se uma média de 82%. Vê-se, pois, que a política educacional foi constantemente sucateada. No tocante a saúde, esta tornou-se cada vez mais “americanizada”, isto é, apenas as camadas mais pobres utilizavam o sistema público, enquanto os grupos privilegiados acabavam optando por um plano privado. Esta estratégia garantia ao governo FHC a criação, no imaginário popular, de que o processo de privatizações e descentralização era o melhor caminho. No âmbito da assistência social, FHC tratou de resgatar a perspectiva filantrópica e caritativa, contradizendo as diretrizes estabelecidas pela LOAS e caminhando rumo aos princípios neoliberais. Em relação as medidas trabalhistas, coordenou o subprograma “Prevenção do acidente do trabalho”, “Fiscalização das relações de trabalho” e “Segurança, higiene e medicina do trabalho”. Todos os programas, por sua vez, sofreram com reduções e cortes.
Diante deste contexto, pode-se concluir que, de acordo com Lesbaupin (1999), a política social no governo FHC não deixou de existir. No entanto, observa-se que esta passou a situar-se sob uma ótica totalmente distante das diretrizes estabelecidas pela Constituição Federal de 1988. O projeto FHC inscreve as políticas sociais de forma subordinada aos ditames do grande capital internacional, submetendo-as aos imperativos macroeconômicos. Segundo Couto (2006), o receituário neoliberal atinge o contexto brasileiro na medida em que centraliza a ideia de eficiência do “Estado mínimo”. Apostando na retomada do princípio da solidariedade, do voluntarismo e da filantropia, as políticas sociais passaram a adquirir um caráter de favor e tutela. Os programas sociais são lançados para a iniciativa privada, desresponsabilizando o papel do Estado na gestão de garantia dos direitos sociais. O resgate destas práticas clientelistas torna cada vez mais difícil aos demandatários das políticas públicas compreender o processo de garantia de direitos como obrigatoriedade do Estado. Deste modo, o romper com essa tensão neoliberal e suas consequências no plano da política social coloca-se como desafio central sob o qual se funda a intervenção profissional em tempos de mundialização da economia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após desenvolver todo o processo histórico dos presidentes brasileiros, pode-se concluir que as políticas sociais adquiriram características diferenciadas em cada período. Além disso, as expressões da questão social também se metamorfosearam ao longo do percurso histórico, muito embora se possa observar uma tendência de acentuação das demandas e necessidades sociais da população.
Inicialmente as políticas sociais possuíam um caráter assistencialista e clientelista, destinadas a atender os sujeitos sociais na perspectiva do favor e da tutela. Este caráter adquiriu um novo arranjo com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a qual instituiu a política social como dever do Estado e direito do cidadão. Contudo, os presidentes brasileiros pós-1988 instalaram medidas sociais que se colocaram na contramão da concepção de política social preconizada pelo texto constitucional. Assim, apesar das mudanças implementadas e conquistadas pela Constituição, observa-se que com a intensificação do receituário neoliberal, principalmente a partir da década de 1990, as políticas sociais vêm sofrendo um processo retrógrado, expressando por meio da refilantropização das políticas sociais e privatização das responsabilidades estatais. Diante disso, verifica-se um resgate das práticas assistencialistas que já haviam sido superadas. O contexto brasileiro observa, a partir da década de 1990, uma nova roupagem do conservadorismo. Romper com tais características assumidas pelas políticas sociais constitui, pois, num dos desafios a serem enfrentados pelo profissional do Serviço Social no contexto neoliberal brasileiro.

REFERÊNCIAS
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[1] Foi a união entre os estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba formada em agosto de 1929, com o objetivo de se opor a candidatura do candidato paulista Júlio Prestes a presidência da República.
[2] De acordo com D’Araujo (1997), o café representava 69% das exportações brasileiras. “O Brasil respondia sozinho por 60% da produção mundial de café, de forma que problemas com produto no mercado internacional eram, na época, quase que exclusivamente uma preocupação brasileira” (D’ARAUJO, 1997, p. 48-49).
[3] Segundo D’Araujo (1997), o funding loan consistiu em uma espécie de empréstimo para reordenamento da dívida externa brasileira, na qual o Brasil reorganizava os antigos débitos para com os países credores.
[4] Segundo Lopes (2002), entrado em cena no ano de1922, o movimento tenentista se posicionava contrário aos pactos e vícios das antigas oligarquias. Era uma organização constituída por tenentes que desejava empunhar uma revolução “para o povo e pelo povo – mas sem o povo”.
[5] “Impunha-se o nacionalismo como elemento agregador das disparidades sociais, camuflando-as em nome da sagrada unidade ao redor da palavra nação. O trabalhador não apenas produziria confiante na proteção paternal do governo varguista, distribuidor da justiça social, mas também animado com a convicção de que trabalhava para o bem do Brasil, sem questionar qual Brasil” (LOPES, 2002, p.51).
[6] De acordo com Lopes (2002), a Revolução Constitucionalista nada teve de revolução. Consistiu apenas na revolta da elite com o objetivo de resgatar seu poderio político semelhante ao exercido anterior a 1930. Esta Revolução pretendia garantir uma legalidade jurídica aos interesses de uma classe específica.
[7] “Os integralistas, adeptos de soluções autoritárias e anti-comunistas, deram apoio a Vargas em suas pretensões ditatoriais e continuístas. [...] Entrementes, foram eles que deram a Getúlio o pretexto para a implantação do estado novo” (LOPES, 2002, p. 57).
[8] “A fase ativa da ANL foi o primeiro semestre de 1935. Devido às críticas ao governo, este, em nome da segurança nacional, colocou a organização na clandestinidade” (LOPES, 1997, p. 56).
[9] Podem ser situadas cinco categorias que se uniram a UDN: “a) As oligarquias destronadas com a Revolução de 30; b) Os antigos aliados de Getúlio, marginalizados depois de 30 ou em 37; c) Os que participavam do Estado Novo e se afastaram antes de 1945; d) Os grupos liberais com forte identificação regional; e) E as esquerdas” (Benevides, 1981, p. 29).  
[10] “O corporativismo [...] é caracterizado por ser uma forma vertical de organização. [...] O corporativismo estatal prega não ter lugar para interesses particulares, disputas políticas, e nos lugares onde se impôs, o fez, como não poderia deixar de ser, de forma autoritária. [...] a principal meta era acabar com o conflito político, silenciar as diferenças ideológicas. Por essas e outras razões, o corporativismo estatal representou uma das mais sofisticadas e autoritárias formas de governo que já se conheceu” (D’ARAUJO, 1997, p. 74).  
[11] Carta do Trabalho produzida pelo Partido Nacional Fascista de Mussolini, em 1927, com objetivo de orientar as relações de trabalho entre patrão, trabalhador e Estado.  
[12] Neste período, a figura do “pelego” tornou-se comum. “Seu papel era o de amenizar o conflito e negociar soluções conciliatórias [...] era necessário que agisse com habilidade no sentido de não entrar em choque direto com patrões e governo, mas também não decepcionar sua base quando ela decidisse reivindicar melhores salários” (D’ARAUJO, 1997, p. 78).
[13] Segundo Junior e Maranhão (1981), “O Petróleo é nosso!”, é uma frase que se tornou famosa ao ser pronunciada, por ocasião da descoberta de reservas de petróleo na Bahia por Vargas e que, mais adiante, se tornou lema da Campanha do Petróleo, patrocinada pelo Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e promovida por nacionalistas, que culminou na criação da empresa petrolífera nacional, a Petrobrás.
[14] De acordo com Santos (2012), esta proposta foi resultado de pressões da classe trabalhadora insatisfeita com o elevado custo de vida.
[15] A Guerra Fria teve início logo após a Segunda Guerra Mundial, na qual Estados Unidos e União Soviética disputavam a hegemonia política, econômica e militar do mundo. Enquanto a União Soviética possuía um sistema socialista, os Estados Unidos defendiam a expansão do sistema capitalista.
[16] Nessa época, as eleições para Presidente e Vice-Presidente da República aconteciam de maneira separada.
[17] Segundo Viana (1980), o Plano Marshall foi elaborado pelo secretário de Estado dos Estados Unidos, George Marshall, em 1947. Consistiu em empréstimos financeiros norte-americanos concedidos aos países destruídos pela Segunda Guerra Mundial, visando sua reconstrução.
[18] Segundo Viana (1980), a construção de Brasília teve início em novembro de 1956 e término em 21 de abril de 1960. Os principais motivos que levaram ao deslocamento da capital, do Rio de Janeiro para Brasília, foram: dificultar o acesso a capital em casos de invasão pelo litoral brasileiro; desenvolver a região Centro-Oeste; e descentralizar as decisões políticas dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo.  
[19] “[...] 6,8%, no período que vai de 1956 a 1960, e 7,8%, no período 1957/60” (VIANA, 1980, p. 86).  
[20] “No período Kubitschek, a produção agrícola apresentou a taxa anual média de crescimento de 4,3%, inferior à todos os demais períodos” (VIANA, 1980, p. 90).  
[21] Segundo Cardoso (1978), as Ligas surgiram na década de 1950 representadas por Francisco Julião, advogado e deputado pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e consistiram no movimento de luta pela Reforma Agrária no Brasil. A primeira Liga foi fundada em 1954, no estado de Pernambuco.
[22] Em 1959 foi realizada a Campanha de Erradicação do Analfabetismo. “Aludia [...] à alfabetização de 8.900 alunos acima de 15 anos de idade, ao preparo de 425 professores especializados e à formação de 350 professores para atuar na zona rural” (VIEIRA, 1985, p.102)
[23] Segundo Vieira (1985), este projeto de lei tramitou desde 1948, até ser aprovada, sua iniciativa partiu de Clemente Mariani, Ministro da Educação e Cultura do governo de Dutra.
[24] “[...] as populações da zona rural careciam de grande atenção, por ter colhido menos proveito dos avanços da medicina” (VIEIRA, 1985, p 114).  
[25] Segundo Couto (2006), a LOPS, de autoria do deputado Aluízio Alves do governo Dutra, tramitava no Congresso desde 1947.
[26] Este Serviço foi criado durante o governo de Dutra em 1947. JK buscou salienta-lo e ampliou suas bases de atendimento durante seu governo.  
[27] Consistiu numa emenda que propunha o reestabelecimento das eleições diretas no país.
[28] “As manifestações estudantis [...] denunciavam a falta de verbas para educação e se opunham ao projeto de privatização do ensino público” (ARQUIVO NACIONAL, 2012, p. 43). Por seu caráter reivindicatório, em abril de 1968, entrou na clandestinidade. 
[29] Entre suas principais características destacavam-se: a criação de uma nova moeda, Cruzado, em substituição ao Cruzeiro; Congelamento dos preços de mercadorias e salários; e a adoção do “Gatilho Salarial”, que reajustava os salários somente quando a inflação alcançasse 20%.
[30] Apesar de sua renúncia, foi julgado e teve seus direitos políticos caçados por oito anos. 

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